Quando comecei a trabalhar em Aljustrel,
para além do contracto de trabalho foi-me entregue um documento onde explicava
resumidamente a lei Sarbanes–Oxley. Esta lei tem como objectivo
oferecer protecção legal ao wistleblower. Um whistleblower traduzindo
literalmente é alguém que sopra o apito, ou por outras palavras, alguém que
dentro de uma companhia delata alguém ou alguma actividade dentro da companhia
a que pertence e que possa pôr em causa a lei, ou criar dano a algo ou alguém.
Um whistleblower é no fundo um
delator, mas que o faz para proteger pessoas e o bem comum da atitude ilícita e
por vezes criminosa que possa ocorrer no seio do seu trabalho. Esta lei é de
2002 mas já em 1836 nos Estados Unidos foi criada a “false claims act”, para
combater a fraude entre os fornecedores do exército americano durante a guerra
civil. Que irónico estas leis serem americanas...
Em
2002 os whistleblowers eram vistos como heróis,
mártires que se sujeitavam às pressões das empresas que acusavam e dos seus pares
para defender aquilo que era certo e justo, razão pela qual estas leis foram
feitas. Mas isso foi em 2002, a realidade que encontramos hoje é bem diferente.
O
nome Edward Snowden anda nas bocas do mundo, mas antes de Snowden vou falar de
Bradley Manning. Manning é um cabo do exército americano e foi um dos
responsáveis por entregar centenas de documentos à wikileaks, documentos que
provam torturas feitas pelo exército americano a prisioneiros durante a intervenção
militar no Iraque, actividades como o waterboarding, abusos sexuais a crianças
no Afeganistão e por ai fora. E qual foi o resultado por ter denunciado estas
práticas? Prisão por tempo indefinido com a acusação de ajudar o inimigo, acusação
que pode resultar na pena perpétua. Durante meses bradley manning esteve preso
sem que a sua defesa tivesse acesso às provas que o incriminavam e isto,
segundo o tribunal porque o acesso a essas provas punham em causa a segurança
nacional! Certo, mas dessa forma como pode ele construir uma defesa sólida, uma
pessoa que se limitou a apontar o dedo às práticas desumanas levadas a cabo pelo
exército americano. Seria de esperar que o exército e o governo americano
pedissem desculpas pelos crimes cometidos e arrepiassem caminho, mas não, optam
por castigar quem os denunciou.
O
mesmo se passa com Edward Snowden, ex analista da cia, Snowden denunciou aquilo
que qualquer pessoa mais atenta já tinha percebido há bastante tempo, que o
governo americano espia a população a torto e a direito fazendo tábua rasa de
todas as leis existentes. Resultado tem a cabeça a prémio.
Mas
esta situação tem duas nuances adicionais, por um lado a comunicação social conseguiu,
da forma hábil que já nos acostumou, dar a volta à história e pôr toda a gente
a falar do mensageiro e não da mensagem. O que importa não é Snowden, é aquilo
que ele disse, claro que é indecente a forma como os estados unidos perseguem Snowden
e isso deve ser apontado, mas o teor das declarações são muito mais
importantes, os telefones que são escutados, os emails que são lidos tudo sem observar
as leis vigentes de tal forma que o nome Stasi volta à memória.
Que
os americanos fazem o que fazem já se sabe, mas o comportamento dos outros países,
igualmente espiados pelos americanos, é igualmente elucidativa de como os líderes
vêem o seu povo. Alemães, chineses, franceses e por ai adiante são espiados
pelos americanos, fazem um escândalo mas depois calam-se e comportam-se como se
nada fosse, e nem pensar em dar asilo à pessoa que os avisou dessa situação.
Pode parecer esquisita esta postura mas não é, isto porque os americanos não
estão sozinhos, todos os países espiam o seu povo de uma maneira ou de outra e
por isso não podem atirar pedras aos americanos.
E o
que dizer da postura de Portugal neste processo, que nem teve coragem para
dizer a verdade e arranjou uma desculpa com falhas técnicas. Que repugnante.
É
preciso ter coragem para dizer a verdade, e por vezes paga-se caro por isso,
mas é sempre melhor estar do lado certo da história.